No nosso meio, existe um “exército” de pessoas movidas pelo bem e pela generosidade que sempre me impressionaram – os vicentinos. Há tempos que penso escrever sobre eles e a sua ação silenciosa. Na minha comunidade, havia três conferências: uma masculina, uma feminina e uma mista. Todos não eram demais, numa freguesia urbana do Porto, para socorrer tantas solicitações e tantas pessoas. Distribuíam bens, organizavam campos de férias para os mais novos, criaram uma lavandaria solidária, pagavam contas urgentes da luz, água ou medicamentos. Faziam o bem sem olhar a quem, nem ao seu credo. Apenas ajudavam quem precisava. Reuniam-se quase em segredo, nas salas do Patronato (Centro Paroquial) para delinear as suas ações e, publicamente, só apareciam ao 2.º domingo do mês, às portas das igrejas para recolher as ofertas, dizendo o pregão «para os pobres».
As Conferências Vicentinas nasceram, no século XIX, da fé concreta de jovens que quiseram unir oração e ação, contemplação e compromisso. Inspiradas em São Vicente de Paulo e fundadas por Frédéric Ozanam, continuam hoje a ser um testemunho silencioso e fecundo da caridade cristã. Cada conferência é uma escola de Evangelho, onde se aprende que amar é visitar, escutar, acompanhar e partilhar. O pobre não é um “caso social”, mas um rosto de Cristo. A missão vicentina não se reduz a dar o que sobra, mas a dar-se, reconhecendo no outro a dignidade de filho de Deus. A verdadeira caridade nasce do encontro — não humilha, não mede, não contabiliza: aproxima-se e transforma.
Em 2025, o Dia Mundial dos Pobres é celebrado sob o lema do Salmo 71: “Tu és a minha esperança”. O Papa Leão XIV convida a Igreja a reconhecer que a pobreza mais profunda é viver sem Deus e sem esperança. Por isso, os pobres são mestres espirituais: lembram-nos que a verdadeira riqueza não está no que possuímos, mas no que esperamos. O Papa pede que o serviço aos pobres não seja mera assistência, mas compromisso de justiça, e recorda que “ajudar os pobres é questão de justiça antes de ser questão de caridade”. O Ano Jubilar torna este apelo ainda mais urgente: que as comunidades se tornem oásis de esperança, capazes de gerar trabalho digno, educação, habitação e saúde para todos.
As Conferências Vicentinas, com a sua presença discreta e fiel, são um sinal concreto dessa esperança cristã. Quando um vicentino entra numa casa pobre, leva não só alimentos ou apoio, mas sobretudo escuta, oração e ternura. A esperança renasce porque alguém se deteve, porque alguém acreditou no outro. É esse o milagre diário da caridade: não mudar o mundo inteiro, mas reacender a chama da confiança em cada coração.
O lema “Tu és a minha esperança” pode ser lido à luz do carisma vicentino: Cristo é a esperança dos pobres e os pobres são a esperança da Igreja. No diálogo entre fragilidade e fé, Deus continua a revelar o Seu rosto. Por isso, celebrar o Dia Mundial dos Pobres é renovar o compromisso vicentino de amar com gestos, de servir com humildade, de anunciar com a vida que a caridade é a linguagem de Deus.
“Os pobres evangelizam-nos”, dizia Ozanam. E é verdade: eles fazem-nos compreender que só a esperança sustentada na fé pode transformar o sofrimento em dignidade e o serviço em alegria. A vocação vicentina é, afinal, viver o Evangelho com esperança ativa — a esperança que se ajoelha, escuta e serve.


