Entre as muitas visões místicas que pontuam a história da Igreja, há uma que ganha novo sentido neste tempo de reaproximação e diálogo: a profecia de São Domingos Sávio sobre a conversão da Inglaterra. O jovem discípulo de Dom Bosco, inflamado de amor à Eucaristia, contou ter visto um vasto campo coberto por nevoeiro — símbolo de confusão espiritual — e um Papa que avançava com uma tocha de luz, dissipando a névoa. “Esta é a Inglaterra”, ouviu. “E a tocha é a fé católica que há de iluminá-la.”
Mais de um século e meio depois, a Inglaterra parece continuar a caminhar entre sombras e lampejos. Mas há sinais discretos de claridade. No Reino Unido, o número de católicos superou pela primeira vez o de anglicanos na geração Z (nascidos entre 1997 e 2009). A frequência à igreja aumentou 50% nos últimos seis anos. Entre os jovens de 18 a 24 anos, apenas 20% dos que frequentam a igreja se identificam como anglicanos, abaixo dos 30% em 2018, em comparação com 41% que se identificam como católicos. Pela primeira vez, desde a rutura de Henrique VIII, houve um funeral católico de um membro direto da família real britânica. Foi o funeral da duquesa de Kent, no dia 16 de setembro, no qual participaram, na catedral católica de Westminster, o rei de Inglaterra e a família real.
A recente visita do rei Carlos III a Roma — onde, pela primeira vez em quase quinhentos anos, um monarca britânico rezou publicamente com o Papa — é um gesto que ultrapassa a diplomacia. É uma oração comum que rompe um silêncio secular entre duas tradições que, embora separadas, partilham a mesma sede de Cristo.
O rei, herdeiro de uma coroa nascida do cisma, ajoelhado ao lado do sucessor de Pedro, é imagem poderosa. Não se trata, evidentemente, de uma “conversão política” da Inglaterra, mas de um movimento espiritual, um passo de reconciliação que devolve humanidade à história. A profecia de Domingos não se cumpre em decretos, mas em gestos, diálogos e símbolos. A tocha, hoje, talvez não esteja nas mãos do Papa sozinho, mas também nas de todos os que procuram a unidade com sinceridade e coragem.
E é neste contexto que se insere outro acontecimento notável: a proclamação de São John Henry Newman como Doutor da Igreja. Newman, outrora anglicano, tornou-se um dos maiores teólogos católicos dos tempos modernos. A sua conversão, nascida da busca honesta pela verdade, foi uma ponte entre duas margens cristãs. O seu pensamento sobre a consciência, o desenvolvimento da doutrina e a fidelidade à verdade interior mostra que a fé não teme a razão — ilumina-a. Que Newman, inglês e católico, seja agora proclamado Doutor da Igreja universal é um sinal claro: a luz que Domingos Sávio viu começa a arder, não como labareda triunfalista, mas como chama serena de sabedoria.
Vivemos numa Europa onde a fé parece encolher diante do pragmatismo e da indiferença. Mas talvez Deus continue a acender tochas em silêncio — na inteligência de Newman, na oração de um rei, na pureza de um santo adolescente. A conversão da Inglaterra, afinal, pode ser também a conversão do nosso continente: do ceticismo à esperança, da divisão à comunhão, da névoa à luz.
Domingos Sávio acreditava que a santidade é possível na juventude. Newman acreditava que a fé e a razão se podem abraçar. Carlos III, ao rezar com o Papa, mostrou que a história também pode reconciliar-se consigo própria. São sinais pequenos, mas coerentes. E talvez, vistos à luz da profecia, sejam já o início de um grande triunfo: não o da Igreja sobre o mundo, mas o de Cristo sobre as trevas.


 
                                    
