A luta pelo direito à habitação juntou hoje em Lisboa milhares de pessoas, de diferentes idades e nacionalidades, nomeadamente um reformado em risco de despejo e uma jovem professora que depende da ajuda dos pais para viver na capital.
“Estou fortemente ameaçado de ficar sem casa até final de janeiro do ano que vem”, realça Mário Simões, de 73 anos, explicando o porquê de participar na manifestação organizada pela plataforma Casa Para Viver.
Vive num prédio em Benfica e recebeu uma carta do senhorio a denunciar o contrato de arrendamento e a informar que tem de sair “até 31 de janeiro”, situação que diz que se deve à assinatura de “um contrato com o espírito neoliberal da senhora doutora Assunção Cristas (CDS-PP)”, por ser “a prazo certo”.
Apesar de a lei prever uma proteção especial em matéria de habitação para inquilinos com mais de 65 anos, Mário Simões explica que o seu caso não é abrangido, referindo que neste momento paga mais de 500 euros de renda, bem menos que os 1.150 euros que foram pedidos aos seus novos vizinhos: “Se eu fizer questão de tentar continuar a viver no sítio onde nasci, que é Lisboa, isso significa um anúncio de pré-insolvência pessoal”.
A viver no centro de Lisboa, Raquel Coelho, de 28 anos, que integra o movimento Referendo pela Habitação, conta à Lusa que o seu ordenado como professora não chega para pagar os custos da habitação, que apenas consegue suportar com a ajuda dos pais.
“Um dos motivos que nós achamos que está a causar esta situação toda em Lisboa é o aumento dos alojamentos locais e, depois, a total ausência de resposta por parte do Governo, por parte da Câmara Municipal de Lisboa, que acabam sempre por dizer que outros é que são os problemas, até os imigrantes são chamados ao barulho, e porque a situação está a ficar insustentável”, expõe.
Entre os milhares de manifestantes, Raquel Coelho destaca a importância da mobilização popular, considerando que “é mesmo a chave para conseguir mudar alguma coisa”, lembrando o que aconteceu em Barcelona, com o fim de novas licenças para alojamento local.
Com a filha de 1 ano às costas, Simone Tulumello, 41 anos, natural de Itália e a viver há 11 anos em Lisboa, também marcou presença no protesto pelo direito à habitação, inclusive por ser investigador e ativista nesta área: “Precisamos mudar radicalmente o modelo. Precisamos começar a pensar na habitação como um direito e não como um ativo financeiro ou como uma mercadoria”.
“O problema é global. O problema tem a ver com o modelo recente do capitalismo globalizado e da importância da habitação, do imobiliário, na financeirização global. Portugal sofre especialmente, porque é um país especialmente dependente, com um modelo económico especialmente dependente dos fluxos financeiros e estrangeiros”, indica.
Sobre a manifestação na rua, Simone Tulumello sublinha que “nos 50 anos de democracia portuguesa só os movimentos sociais, a luta, conseguiram levar os governos a fazer as poucas políticas de habitação séries que foram feitas”.
Com faixas brancas a dizer “casa para viver” e bandeiras vermelhas do movimento Vida Justa, a manifestação encheu a Avenida Almirante Reis, após a concentração na Alameda Dom Afonso Henriques com destino ao Arco da Rua Augusta, num percurso a pé de cerca de 3,5 quilómetros, que se fez ouvir com frases de ordem, entre as quais: “A cidade é para morar, não é só para trabalhar”, “Paz, pão, saúde e habitação” e “Governo escuta, o povo está em luta”.
Entre os vários cartazes erguidos, estavam também expressas revindicações e angústias: “A juventude precisa de casa para viver!”, “Imigrantes, bem-vindos!”, “Habitação não é privilégio, é direito”, “Um hotel para o inglês e uma despensa para o português” e “Queria sair da casa dos meus pais, mas a renda não deixou”.
Em jeito satírico, uma casa de cartão desfilou no protesto, com anúncios à janela de venda protagonizados pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro (PSD), “para especuladores”, e pelo presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas (PSD), a avisar: “mas não é para o teu bolso”.
Como representação partidária, estiveram na manifestação o BE, com um cartaz “casas para morar, não para especular”, o PCP, com uma faixa a dizer “construir a revolução, conquistar a habitação” e o Livre, a afirmar que “habitação é direito”.
A vereadora da Habitação na Câmara Municipal de Lisboa, Filipa Roseta (PSD), marcou presença no início do protesto, mas não participou no desfile pelas ruas.
Do movimento Porta a Porta, André Escoval disse que Filipa Roseta “não é bem-vinda” no protesto pelo direito à habitação, acusando-a de “puro oportunismo político”.
Pelo menos 22 cidades portuguesas aderiram à manifestação convocada pela plataforma Casa Para Viver, em defesa do direito à habitação.