Cerca de 10 pessoas, portugueses e brasileiros, foram constituídas arguidas na investigação sobre suspeitas de corrupção no Consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro, envolvendo um esquema de legalização ilícita de documentos para obtenção de nacionalidade portuguesa.
Fonte da Polícia Judiciária (PJ) portuguesa adiantou à agência Lusa que os mandados de busca, apreensão e de constituição de arguidos foi executado quer pela PJ em território nacional, quer pela Polícia Federal no Brasil mediante pedido em carta rogatória das autoridades lusas.
Quanto às pessoas ligadas ao Consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro que foram constituídas arguidas, a mesma fonte precisou que umas têm nacionalidade portuguesa, outras brasileira, havendo também arguidos com dupla nacionalidade.
As buscas decorreram em Portugal, na cidade de Lisboa, e no Brasil, no Rio de Janeiro e em Saquarema, e, segundo nota da PJ, “foram realizadas mais de 100 diligências de recolha de prova pessoal (inquirições e interrogatórios)”.
Pela carta rogatória das autoridades portuguesas, no Brasil “já estava identificado o que era preciso fazer”, referiu a fonte.
De acordo com fonte da PJ, a investigação partiu de uma denúncia (que não quis identificar) que motivou a abertura de dois inquéritos-crime, um de 2022 e outro de 2023.
A fonte da PJ revelou que foi durante a investigação que se apurou que chegavam a Portugal vários cidadãos brasileiros com “cadastro limpo”, mas que afinal têm antecedentes criminais, estando o Consulado Português no Rio de Janeiro a servir de “porta de entrada”.
Nesses inquéritos investigam-se crimes de corrupção passiva e ativa, participação económica em negócio, peculato, acesso ilegítimo, usurpação de funções, abuso de poder, concussão, falsificação de documentos e abuso de poder, conforme divulgou hoje a PJ.
“A investigação terá ainda outros desenvolvimentos, mas chegará ao fim rapidamente”, garantiu a fonte da PJ.
Segundo informações veiculadas pela PJ, participaram na operação em território brasileiro, em colaboração com a Polícia Federal, 21 investigadores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) e dois peritos informáticos da Unidade de Perícia Tecnológica e Informática (UPTI) da PJ, acompanhados por duas magistradas do Ministério Público (MP) do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional de Lisboa.
A PJ explica que a operação transnacional aconteceu após pedido de cooperação judiciária internacional às autoridades judiciárias brasileiras e visava 11 mandados de busca domiciliária e não domiciliária e apreensão e pesquisa informática.
Em território nacional, foram executados dois mandados de busca e apreensão, bem como quatro mandados de pesquisa de dados informáticos para apreender prova de natureza digital. Participaram na operação, 10 investigadores e peritos informáticos da PJ, acompanhados por um magistrado do MP do DIAP Regional de Lisboa.
O comunicado refere ainda que as investigações visam o desmantelamento de esquemas de legalização e certificação ilícita de documentos para obtenção de nacionalidade portuguesa, atribuição de vistos, prestação de informações privilegiadas através da usurpação de funções, atribuições ilícitas de vagas de agendamento para a prática de atos consulares, bem como, a execução de atos consulares para os quais não existe habilitação legal e peculato de emolumentos.
A PJ acrescenta ainda que a operação contou com a colaboração do Ministério dos Negócios Estrangeiros, designadamente, através de funcionários deslocados e que acompanharam as diligências em território brasileiro, assim como do Consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro.
Numa notícia hoje divulgada, o Diário de Notícias (DN) escreve que alguns funcionários do consulado português no Rio de Janeiro podem ter ligações às organizações Primeiro Comando da Capital e Comando Vermelho e que, “por razões de segurança”, a Polícia Federal não permitiu sequer buscas às suas casas.
A fonte da PJ contactada pela Lusa referiu que o Primeiro Comando da Capital é “a organização criminosa mais relevante da América do Sul”, dedicando-se sobretudo ao tráfico de droga e tendo um “poderio enorme”, inclusivamente dentro da prisões brasileiras.
A fonte esclareceu ainda “que o “Comando Vermelho é uma organização criminosa com sede no Rio de Janeiro”, virada para “o tráfico de droga e espalhada pelomundo”
As autoridades acreditam que estas organizações criminosas tinham cúmplices no consulado para colocar em Portugal operacionais seus.
O DN refere que as autoridades já identificaram perto de 30 cidadãos brasileiros que terão viajado para Portugal usando o esquema ligado às redes criminosas.
A troco de cerca de 300 euros (cerca de 1.500 reais, num país onde o salário mínimo ronda os 1.300) – segundo o DN – funcionários colocavam certas pessoas à frente das que aguardavam vaga, numa espécie de Via Verde para o atendimento.
Segundo a imprensa brasileira, citada pelo DN, “com o esquema montado pelos funcionários consulares, redirecionavam no ‘site’ do consultado o agendamento de documentação para empresas intermediárias”.
Uma das linhas de investigação relaciona também este esquema com a entrada em Portugal de elementos do Primeiro Comando da Capital, através de uma ligação anterior ao consulado português em São Paulo, Estado onde este grupo tem o maior domínio.