Um dos momentos marcantes do pontificado do papa emérito Bento XVI, que morreu hoje aos 95 anos, foi a visita a Portugal em 2010, quando na viagem para Lisboa admitiu “os pecados internos da Igreja” no caso dos abusos sexuais.
Numa ocasião em que os escândalos de pedofilia no seio da Igreja Católica faziam manchetes em diversos países, como a Bélgica, a Irlanda ou os Estados Unidos da América, Bento XVI, ainda no avião papal que o transportou de Roma para Lisboa, disse a jornalistas que “a maior perseguição à Igreja” não vem de “inimigos de fora, mas nasce do pecado da Igreja”.
Esta declaração fez aumentar o nível de expectativa sobre a visita de quatro dias que levou o Papa ao contacto com peregrinos em Lisboa, Fátima e Porto. Encontros com agentes da cultura, em Lisboa, e católicos empenhados na ação social, em Fátima, constituíram momentos altos da passagem de Joseph Ratzinger por Portugal em 2010.
A visita papal foi acompanhada em permanência pelo então Presidente da República, Cavaco Silva.
As multidões que participaram nas eucaristias presididas por Bento XVI (em Lisboa, Fátima e Porto) levaram a inevitáveis comparações com o poder de atração do seu antecessor, João Paulo II – que entre os portugueses ficou conhecido como o Papa de Fátima, pelas três visitas que efetuou ao Santuário, em 1982, 1991 e 2000.
Apesar de em privado ser visto como “professor” ou “sábio”, Bento XVI mostrou que também conseguia surpreender as multidões.
Isso mesmo já acontecera em outubro de 1996, quando, em Fátima, o então cardeal Joseph Ratzinger, investido nas funções de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – que sucedeu ao Santo Ofício – e assumindo um verdadeiro papel de “guardião da fé”, disse perante uma multidão de peregrinos que o segredo de Fátima “não tem uma importância essencial para a fé”.
Na sua primeira visita ao Santuário da Cova da Iria, o cardeal Ratzinger, uma das poucas pessoas que já lera o texto do chamado terceiro segredo de Fátima, guardado no Vaticano desde 1957 e que viria a ser revelado por vontade de João Paulo II em 2000, disse: “O segredo, na realidade, não se ocupa com a grande história do mundo para informar sobre coisas com que um dia nos possamos deparar”, sublinhando que o texto “não é um ensinamento de história futura, mas uma ajuda e uma educação da fé”.
“A verdadeira vontade da Senhora é convidar à conversão, à fé simples e sem especulações sobre o futuro”, disse Joseph Ratzinger.
Esta passagem de Ratzinger por Fátima ficou ainda assinalada pelo sublinhado que fez sobre o papel dos “pequeninos, os menores, os sem voz” na transmissão da mensagem de Maria.